Resenha do livro O Coração do Yoga, de T. K. V. Desikachar
Inicialmente, o livro “O Coração do Yoga” nos apresenta a história de Krishnamacharya, renomado professor de yoga e médico ayurveda, trazendo uma entrevista com seu filho e aluno, T. K. V. Desikachar.
O principal diferencial do yoga de Krishnamacharya era que ele reconhecia as peculiaridades individuais de cada pessoa, levando em consideração as singularidades de cada aluno no momento de ensinar e permitindo que a prática seja adaptada para servir a pessoa.
Para Krishnamacharya, o objetivo principal do yoga era bhakti, aproximar o praticante da mais elevada inteligência. Assim, poderiam ser executados ásanas, pránáyámas, mantras e meditações ou não, de acordo com as necessidades e limitações de cada indivíduo, mas o foco deveria ser se tornar um com a figura divina.
Na primeira parte, somos introduzidos ao conceito e significado do yoga, como “amarrar os cordões da mente” e “atingir o que era antes inatingível’’. Para o autor, toda mudança é yoga, uma vez que nosso objetivo principal com a prática é alcançar algo que ainda não alcançamos.
Ele também menciona a importância da atenção plena à atividade que estamos realizando, uma vez que o yoga proporciona um estado de presença em todas as ações e momentos, evitando a repetição inconsciente.
Outra definição trazida é “ser um com o divino”, pois ao sentirmos que estamos em harmonia com uma força maior, isso também é yoga. A prática verdadeira do yoga vai direcionar cada pessoa a um caminho diferente.
Não existe uma prescrição obrigatória sobre onde e como a prática deve começar, já que isso varia conforme os interesses pessoais de cada um. Uma frase interessante na página 46 é: “Nós começamos onde e como somos, e o que tiver de acontecer acontece”.
Em seguida, o autor descreve os fundamentos do yoga, citando o Yoga Sutra como principal referência. O yoga, portanto, seria a “habilidade de direcionar a mente sem distração ou interrução”. É interessante destacar que o yoga é um caminho acessível para todos os seres humanos e as questões ligadas à qualidade da mente são universais.
Com os conceitos de avidya e vidya, entendemos que a experiência humana é baseada na percepção individual, podendo ser uma compreensão incorreta ou uma compreensão correta, respectivamente. Avidya tem relação com as ações inconscientes e normas que aceitamos como corretas, mesmo sem embasamento. O objetivo do yoga é agir corretamente por meio da redução da névoa de avidya.
Tudo que vemos, experimentamos e sentimos é real, inclusive avidya. Chamamos isso de satvada. Ainda assim, todos os conteúdos e formas estão em um estado de constante fluxo. A mudança é contínua, o que conhecemos por parinamavada. Dessa forma, tudo muda, inclusive a forma como vemos as coisas.
Existem três meios para nos aproximar do estado de yoga: tapas, que é a prática dos ásanas e pránáyámas; svadhyaya, que é o estudo e conhecimento de nós mesmos; e isvarapranidhana, em que fazemos tudo da melhor maneira possível e com desapego às expectativas dos resultados.
Ao falar sobre os princípios das práticas dos ásanas, o autor ressalta que a maneira como sentimos as posturas e a respiração é mais importante que as manifestações exteriores do aspecto físico da prática. Duas qualidades importantes dos ásanas são: sthira, estabilidade e atenção, e sukha, a habilidade de sentir-se confortável ao permanecer em uma postura.
O ideal é praticar as posturas de forma progressiva, reconhecendo as limitações atuais do nosso corpo, pois assim atingiremos mais estabilidade, atenção e conforto de maneira gradual.
A qualidade da respiração é essencial para yoga, já que ela expressa os nossos sentimentos. Ela é o elo entre o corpo interior e o exterior, por isso precisamos respirar com consciência, plenitude e profundidade. O que almejamos é conquistar a integração entre corpo, respiração e mente.
Quando pensamos em uma construção cuidadosa de uma prática de yoga, precisamos compreender nosso ponto de partida e onde queremos chegar. Aqui, o planejamento correto, levando em consideração que pessoas diferentes devem executar ásanas diferentes e com inserção de contraposturas, é fundamental para evitar problemas posteriores.
Uma prática deve iniciar com posturas mais simples, evoluindo gradualmente para as posturas mais difíceis. Além disso, é recomendado praticar um ásana dinamicamente antes de fazer uma prática estática, sustentando a postura. O número de repetições vai variar conforme as exigências e necessidades individuais.
A respiração pode ser feita em quatro etapas: inspiração, retenção após a inspiração, expiração e retenção após a expiração. A retenção é usada quando queremos intensificar os efeitos de uma postura.
O descanso é indicado quando vamos fazer uma transição entre um ásana e outro. E, é claro, sempre que sentirmos que precisamos descansar.
O pranayama envolve exercícios respiratórios que trabalham com o prana, que é aquilo que está em todo lugar, e o ayama, que descreve a ação do pranayama ao alongar e expandir. Como apontado pelo autor, o elo entre a mente e a respiração é o mais significativo.
Agni é o fogo da vida e está constantemente mudando sua direção na inspiração e expiração. Quando fazemos as posturas invertidas, o agni é direcionado para o apana e tem um efeito desintoxicante. Ao combinar as posturas com os pránáyámas, essa purificação é ainda mais intensa.
Pránáyáma envolve uma respiração consciente, capaz de regular, acalmar e focar a nossa mente, preparando-a para o estado de meditação. Por regra, os ásanas são executados antes do pránáyáma, mas existem exceções.
O conceito de isvarapranidhana diz respeito à qualidade do que fazemos no processo, não ao que queremos alcançar, pois as metas podem mudar e devemos estar flexíveis para não nos decepcionarmos. Nossas ações vão adquirindo qualidade conforme praticamos a autorreflexão.
Uma noção bastante ligada a avidya é duhkha, um sentimento de limitação. O oposto desse estado é suhkha, quando temos uma sensação de leveza e clareza. Para o Yoga, também há o estado kaivalya, quando a pessoa está livre das preocupações exteriores que nos preocupan e geram duhkha.
Purusa representa nossa capacidade de percepção e visão real das coisas, sem a possibilidade de mudanças. Já prakrti está sujeita a mudanças e abrange toda a matéria existente. O que acontece no meio externo vai nos influenciar, da mesma forma que o que acontece internamente influencia nosso relacionamento com o mundo exterior. Com a clareza de purusa, temos quietude e paz em nós mesmos.
Outros dois conceitos importantes são os yamas e niyamas. Yama representa atitudes ou comportamentos que devemos ter. O primeiro é ahimsa, a ausência de violência e, mais que isso, a gentileza e consideração pelas coisas. Satya é dizer a verdade, a não ser que isso traga uma consequência negativa para outra pessoa. Asteya é não roubar, não pegar nada que não nos pertença. Brahmacarya é um movimento em direção ao essencial e à verdade. Aparigraha é tomar somente o que seja necessário, sem explorar as situações.
Os niyamas são atitudes que adotamos com nós mesmos. Sauca é a limpeza, interna e externa. Samtosa é estarmos contentes com o que nós já temos, aceitando as coisas que acontecem. Tapas é manter nosso corpo em forma e purificá-lo, eliminando o lixo. Svadhyaya é estudar a si mesmo. Isvarapranidhana é oferecer suas ações a deus. Os oito aspectos, yamas e niyamas, são desenvolvidos gradualmente e simultaneamente.
O isvara seria a causa do universo, assim como a manifestação de tudo o que existe e o próprio efeito. Isvara não tem ego e não há nada que seja separado ou diferente dele. É a fonte de todos os conhecimentos e pensamentos. E também é livre do tempo, pois está sempre presente.
Com o comando da mente, o yogin tem a capacidade de dominar tanto o seu corpo quanto o mundo. Assim, nos livramos das limitações e nos tornamos independentes, senhores de nós mesmos. O objetivo final do Yoga é o samadhi.
Quando atingimos o nirbija samadhi, os pensamentos desaparecem. Mas, mais importante, o nosso estado da mente tem clareza do conhecimento da realidade. A ignorância, portanto, é eliminada.
No segundo capítulo, a autora discorre sobre o meio, que seria o instrumento para a liberação. É o estilo de vida de Yoga. Svadhyaya, o estudo dos vedas, faz parte da disciplina diária. A entrega a Isvara, por outro lado, demanda o entendimento de Isvara.
Pratyahara é quando a ligação entre a mente e os sentidos é rompida. Samyama ocorre quando dhárana, dhyana e samadhi se dirigem a um mesmo objeto, concentrando-se e investigando. Kaivalya é o estado de liberdade interna que o yoga almeja.
A mente tem cinco níveis: ksipta, mudha, viksipta, ekagrata e nirodha. Nirodha é quando a mente está tão vinculada ao objeto que ambos parecem se fundir. Temos, entretanto, nove obstáculos, antarayas, que enfrentamos em nosso caminho na jornada do yoga. Eles são: doença, dúvida, letargia, impaciência, resignação, ignorância, distração, perda da confiança e incapacidade de dar um novo passo. O autor traz várias possibilidades para o enfrentamento desses obstáculos.
Por fim, o livro aborda os diferentes caminhos e modalidades do Yoga, demonstrando que quem segue na direção do yoga será conduzido por todos esses caminhos. Faz também uma breve interpretação do Yoga Sutra de Patanjali, que o autor define como o coração do yoga, e traz o Yoganjalisaram, que são ensinamentos de Krishnamacharya e que demonstram que o yoga é mais que posturas, uma vez que abrange todos os aspectos da vida humana.